Patrulha do Espaço Chronophagia - Por Luiz Domingues
"A satisfação interior por ver que todo o esforço havia valido a pena e que o sonho não era tão quixotesco assim..."
Nessa matéria nosso colaborador Luiz Domingues nos cede uma entrevista especial sobre o álbum ‘Chronophagia’, gravado na época em que tocava na lendária banda Patrulha do Espaço.
Obrigado pela
entrevista Luiz!
Limonada Hippie - Para muitos ouvintes, a importância de se ter letras com conteúdo na música continua sendo algo fundamental, juntamente com bons arranjos e levadas. Você não acha que isso é uma questão que vem sendo deixada de lado? Em sua opinião, o que perdemos com isso? Luiz Domingues- Mas sem duvida alguma! Houve época em que o público parava para prestar atenção nas letras e apreciava o seu conteúdo. Mensagem com conteúdo só engrandece a obra. A poesia e a mensagem andam juntas das canções. Perdemos tudo quando observamos o triunfo da subcultura de massa difundida aos borbotões, incentivando, enaltecendo e elegendo a ignorância como must do verão e bota “esquenta” nisso...
Fazer parte de uma banda progressiva que tem um nome e tanto no meio musical deve ter sido demais. Como foi participar da produção do disco “Chronophagia”, que contém letras absurdas poeticamente, falando justamente para o ano de 2000, um ano de grandes transições tanto no meio tecnológico, quanto no espiritual (pensando nos boatos de que o mundo acabaria)?
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Rodrigo Hid |
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Luiz Domingues |
O álbum explora bastante a percussão. O legal
dele é que não “boicotaram” a bateria, muito pelo contrário. Isso é algo
bastante característico do rock progressivo e que vem se perdendo nos dias de
hoje. Isso foi percebido pela crítica ou fãs?
Quais foram as críticas e os elogios que o
álbum recebeu nesse sentido? Verdade, mas a percussão usada nesse disco não foi uma constante de
todas as faixas, mas colocações pontuais em algumas, apenas, conforme a
necessidade. O Junior comandou
arranjos e colocações, naturalmente como o percussionista da banda e tivemos a
participação do Paulo Zinner, Daniel “Lanchinho” e de nós três (eu, Rodrigo e Marcello) em alguns detalhes mais simples que independiam de uma
técnica mais apurada só possível a um instrumentista especialista. Não me
recordo de nenhuma observação específica sobre isso da parte de jornalistas,
nas resenhas que o disco recebeu.
A relação sonora entre o som do Patrulha e o
som dos Mutantes se manteve forte nesse disco, com várias partes de algumas
músicas sendo cantadas em coro. Isso dá uma sonoridade esplêndida, além de
profundidade. Como vocês trataram de manter isso atual sem parecer superficial? Bem, a proximidade com os Mutantes é questão de DNA da Patrulha, pois a banda faz parte da árvore genealógica deles. Mas a
questão dos arranjos vocais era mais ampla. O fato da comissão de frente da
banda cantar, veio sendo burilada desde os tempos do Sidharta, quando criamos o grosso do material. E ali, as
influências eram múltiplas e não somente inspiradas nos Mutantes. No nosso caldeirão, havia inúmeras referências, tantas
que se eu for descrevê-las, gastarei todo o espaço da entrevista. Para não
deixar o leitor no vácuo, cito algumas poucas para elucidar: Beatles, Queen, Elton John,
Crosby-Stills-Nash & Young, bandas vocais de Black Music 50/60 etc. Quanto a manter atual e não ter ranço de
naftalina, não fizemos nada em específico e proposital, pois a nossa meta era
não soarmos modernos, pelo contrário, nossa intenção era ser ‘vintage’ até a
medula e o Camerati era um estúdio
que ainda tinha uma estrutura analógica para obtermos esse resultado, inclusive
no áudio que tem som de válvula... Só a masterização foi digital, mas isso era
inevitável já em 2000.
O disco também é todo gravado em volume alto.
A ideia foi que quem tivesse um bom equipamento de áudio poderia aproveitar ao
máximo a experiência de se ouvir o Chronophagia ou isso não teve muito a ver? Sim o ‘level’ do disco é alto, mas isso foi
obra da masterização que deu esse up. Não acho errado, pelo contrário, acho um
mérito. Eu tenho uma bronca pessoal sobre os timbres dos instrumentos no final,
pois acho que falta brilho, principalmente no baixo. Isso foi fruto de uma
“briga” que tivemos com o ‘tape engineer’ que bateu o pé em trabalhar com um
conceito que eu considero 100% errado, mas ele achava justamente o contrário.
Diante do impasse, o produtor Paulo
Zinner confiou nele e bateu o martelo nessa ideia dele e o resultado é
frustrante para mim. No álbum posterior .’ComPacto’,
que foi gravado num estúdio muito inferior, os timbres estão melhores e no
álbum posterior, ‘Missão na área 13’, aí sim num estúdio de qualidade e com
liberdade total de opinião com os técnicos. E se comparar então com os discos
do Pedra, fica enorme a diferença e
cabe a reflexão : São os mesmos baixos, amplificador, caixas que usei em todos
os discos... Uma pena, pois aquelas canções carregadas de energia ‘vintage’
mereciam ter timbres ‘gordos’ e não o quase ‘flat’ em que ficaram para a
posteridade. Principalmente nos temas mais progressivos, onde o Rickembacker deveria ter roncado com
saúde. Basta ouvir temas similares do álbum “Missão na Área 13” para entender o que estou dizendo.
As músicas desse disco são bastante profundas
e reflexivas. Qual foi o principal motivo disso? Essas letras e arranjos vieram
de uma experiência de livramento de expurgação das frustrações, ou foram
baseadas em outros motivos? Bem, acho que essa resposta já foi respondida em questões anteriores.
Mas acrescento que além da vontade
de promover um resgate de valores perdidos,
havia a clara intenção de elevar o padrão, tratando de temas com maior
profundidade. Tirante às letras realmente comprometidas com a psicodelia
explícita e outras quase panfletárias sobre a intenção do regate em si, algumas
eram bastante reflexivas, notadamente as escritas pelo poeta Julio Revoredo, meu amigo e parceiro de
longa data, desde os tempos da Chave do
Sol nos anos oitenta.
A música "Um novo sim" é uma das
poucas do álbum que conta com uma base de violão. A sonoridade ficou muito boa
e muito gostosa de ouvir, pois justamente dá um contraste no som todo elétrico.
Por que não há mais disso no disco? Bem, tem a faixa ‘Epílogo’,
também, que é um instrumental de violão apenas, criação do Marcello. Bem, estávamos abertos a ter muitas músicas com
sonoridade acústica, mas calhou de focarmos mais no material elétrico. Por
exemplo, o arranjo original da música ‘Céu
Elétrico’ era para ser mais acústico. Nos tempos do Sidharta, queríamos que ela soasse como uma canção ‘folk’, com
violão, percussão, órgão ‘Hammond’ e flauta, apenas, sem baixo e bateria. Mas o
Junior propôs que houvesse baixo e
bateria, dando um pouco mais de peso e assim, ficou com mais cara de ‘Procol Harum’.
Nesta mesma canção há um solo de flauta que
nos remete à saudosa banda "Jethro Tull". Quais eram os discos que a
banda ouvia no processo de criação do Chrono?
Essas escolhas inspiraram vocês a testarem
novas sonoridades? Essa
canção, “O Novo Sim”, foi composta
com tais intenções propositais. A ideia inicial era trabalhar com um ‘Soft Rock’ que lembrava bastante o som
pop do Peter Frampton, quando a
concebi sozinho no violão. Mas quando a banda começou a tocá-la, com a inclusão
de bateria, baixo, piano e guitarra, ficou muito na onda do Tutti-Frutti dos discos ‘Fruto Proibido’ e ‘Entradas e Bandeiras’. Tive a ideia de criar uma parte final para o
Marcello fazer um solo, e claro que o
riff precisava ter influência do Jethro
Tull para dar um peso extra e não ficar na docilidade que se esperaria das
intervenções da Rita Lee ou do Peter Gabriel no Genesis. E era uma questão estratégica, porque já projetávamos como
seria ao vivo, com o Marcello abandonando o piano e assumindo uma flauta,
lembrando o Focus, visualmente
falando, e de fato, quando a tocávamos ao vivo, isso causava um frisson e
tanto. Aliás, essa música nos proporcionou uma surpresa incrível certa vez em Concórdia, Santa Catarina, em 2002.
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Sentados: Rolando Castello Junior, Paulo Zinner (produtor), Rodrigo Hid. Em pé: Luiz Domingues e Marcello Schevano |
A gravação da música "Retomada"
parece ser bastante suja, dá a entender que foi gravada no modo "Do it
yourself". Qual foi a ideia de se gravar uma música que vai contra os
"princípios éticos e morais" dos produtores de discos, que prezam pelo
som digitalizado e muito bem gravado, sem chiados e sem desníveis?
O propósito foi de ser
"contracultura" mesmo? A sujeira era decorrente do fato dessa música ser um Rock cru, básico
e portanto naturalmente visceral. Não fizemos nada diferente em específico para
essa faixa e se soa mais suja, é pelo fato de ser um ‘Rock in natura’, digamos assim. E a letra que soa ingênua para
alguns, é uma inspiração nos anos de desbunde nos anos setenta, e tem muito do Rock Rural de Sá, Rodrix & Guarabira.
A música "Pote de Pokst" se trata
de algo de fato lúdico ou esta mesma foi escrita nas "entrelinhas"
escondendo nela suas informações, assim como faziam os "magos da
sonoridade", o Pink Floyd? Essa canção, ‘O Pote de Pokst’
foi inspirada no Led Zeppelin. O Rodrigo me ligou empolgado num dia do
final de 1997, dizendo ter composto uma canção com forte aura mística e que
lembrava criações como ‘No Quarter’,
‘In My Time of Dying’, ‘Kashmir’, etc. Com a letra meio “Paulo Coelho”, fase Raul, ficou ainda mais mística, carregada de ocultismo e, portanto,
para nós era puro Zeppelin, com Jimmy Page vestido de bruxo carregando
uma lanterna em meio às brumas de uma floresta britânica... ha ha ha... Mas
acho genial que outras pessoas tenham outra visão dela, seu caso, remetendo-o
ao Pink Floyd.
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Marcello Schevano, Rodrigo Hid, Rolando Catello Junior, Luiz Domingues |
Existe alguma história por trás destas
canções que você possa nos contar, sobre como foi o processo de elaboração, ou
seja, se houve algum tipo de “ritual” para elaboração das mesmas? As histórias são múltiplas, claro. Como já
mencionei anteriormente, a criação do grosso dessas canções foi um processo
iniciado bem antes, desde o final de 1997. No meu Blog 2 (Link do Blog), onde estou publicando minha autobiografia, nos capítulos
sobre a Patrulha do Espaço, esmiúço
mais. Aqui, para não ser prolixo, conto uma apenas. Quando começávamos a
trabalhar numa canção e à medida que ela ganhava corpo e arranjo, percebíamos a
similaridade dela com nossas influências e logo tratávamos de lhes imprimir
apelidos e demorava para nos referirmos à elas pelos seus títulos oficiais. E
como nosso caldeirão de influências era gigantesco, claro que nos divertíamos
com tais associações e muitas músicas lembravam tantas coisas, que tinham
várias alcunhas. “Nave Ave”, por
exemplo, para nós lembrava “Traffic”,
nos tempos do Sidharta, mas o Junior
a enxergava como uma canção no estilo do Elton
John. “Eu Nunca Existi” era “Iron
Butterfly” ou “ Vanilla Fudge” etc.
Essa brincadeira acabou sendo incorporada ao encarte do disco, com menções em
nome de “homenagens” para cada canção. Mas no caso de “Eu Nunca Existi” prevaleceu uma brincadeira com o filme “Austin Powers “, que fazia sucesso à
época, satirizando os anos sessenta, mas em tom positivo, não de demolição, daí
a nossa simpatia.
"Terra de Mutantes", conta com um
som meio "circense". Este tema, tem a ver com a preciosidade da letra? Opa, o “circense” é surpreendente para mim,
pois não era intenção nossa de forma alguma quando a canção foi trazida pelo
Marcello para a arranjarmos. Nossa idéia nessa música era trazer o estilo Blues do R’n’B do Leon Russell,
com todo aquele swing de New Orleans.
A letra é do Julio Revoredo e o fato
de citar mutantes, não era uma menção aos Mutantes,
banda, mas sim aos seres mitológicos, mas nós curtimos o caráter dúbio dessa
colocação e de fato, para a maioria do público, passa a ideia de que estávamos
enaltecendo os Mutantes. Por outro
lado, tal confusão era também um fator real no propósito geral que o álbum
trazia no seu bojo, enquanto conceito. Nas entrelinhas, era uma briga de
gigantes mitológicos para resgatar na raça, o território perdido e
implicitamente, era o que estávamos tentando fazer.
Escute o álbum online acessando: Patrulha do Espaço - Chronophagia 2000 (Album Completo)
Escute o álbum online acessando: Patrulha do Espaço - Chronophagia 2000 (Album Completo)
Acesse também para saber mais sobre a trajetória de Luiz Domingues, ele conta tudo em seu blog pessoal:
Blog do Luiz Domingues 2
Fotos incríveis, ótimo texto, grande Patrulha, memorável banda...grande baixista e amigo Luiz Domingues.
ResponderExcluirQue legal que curtiu, amigo Kim Lima !!
ExcluirGrato por tudo !!
Adorei a entrevista Luiz. A gravação desse disco a meu ver foi uma bela experiência criativa rara de se ver. Um forte abraço!
ResponderExcluirFico muito contente que tenha apreciado a entrevista e sobretudo, que tenha ficado com a impressão de que a gravação desse álbum em questão, foi um momento especial para a banda. Tenha essa certeza, portanto, pois confirmo que o gravamos com muita vontade de que ele fosse um marco.
ExcluirGrande abraço !
Grande Luiz! Ótima entrevista! Estou curtindo agora mesmo o som e recomendo! bj
ExcluirMas que bacana que curtiu, Lourdes !
ExcluirEsse disco marcou para a banda e para todos que participaram dessa gravação.
Beijo !
Boa entrevista e melhor ainda o disco, um dos mais legais pós anos 2000 no rock nacional. Tive o prazer de produzir os releases para a tour pelo interior, dando uma força com assessoria de imprensa. Abração, Luiz. Dum
ResponderExcluirMuito grato, amigo Dum !
ExcluirIndo além, você foi um dos poucos jornalistas culturais top do mainstream que enxergou valor nesse trabalho.
E claro, sou-lhe grato pelo apoio com o release bem escrito que circulou entre seus colegas, vindo de sua caneta forte.
Na minha humilde opinião Chronophagia é o melhor disco do gênero das últimas décadas! Foi justamente graças a esse disco que conheci a Patrulha do Espaço, banda que adimiro muito toda a sua história, e conheci o também o trabalho destes puta músicos, o que abriu um grande leque musical na minha vida, pois a partir daí comecei a acompanhar o trabalho do Luiz, do Rodrigo e do Marcello, acompanhar o Carro Bomba e tomar umas com eles algumas vezes em MG, e curtir muito o som do Pedra! Show de bola!
ResponderExcluirAbraço Luiz!
Michel, que bacana o seu depoimento, e realmente fico sem palavras para comentar o que disse, mas apenas agradecer-lhe por esse apoio que é muito bem vindo, sempre.
ExcluirAbraço, amigo !!
Bom dia. Quero comunicar que digitalizei as primeiras 19 edições da revista Rock - A História e a Glória e vou disponibilizar pra quem tiver interesse. É só mandar um email para o do comentário e disponibilizo o link para download.
ResponderExcluirÓtima nova, Marco Aurélio. No meu caso, tenho os vinte números originais, provenientes das edições encadernadas que foram lançadas em janeiro de 1978.
ExcluirNeste Blog, existe uma matéria falando sobre essa grande publicação setentista. Procure no arquivo do Blog e fique à vontade para replicar esse comentário com teor de comunicado.
Grato por visitar o Limonada Hippie !