Máquina do Tempo - Dorsal Atlântica e os primórdios do metal no Brasil \m/ - parte I
Alouu queridos amigos do Limonada! Como de costume, trazemos para vocês mais uma incrível história do melhor do rock brasileiro.
Hoje a nossa máquina do tempo vai direto para o Rio de Janeiro nas décadas de 80 e 90, acompanhar o nascimento do metal brasileiro, através da trajetória da banda Dorsal Atlântica (com direito a MATERIAL RARO!) numa história de muitas superações emocionantes, digna de guerreiros habitantes do terceiro mundo, que fizeram nascer flores no deserto.
DORSAL ATLÂNTICA E O METAL BRASILEIRO, PARTE I
OS PRIMÓRDIOS – INFLUÊNCIAS E PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS MUSICAIS
Influenciado pela cena setentista já muitas vezes narrada no nosso blog, onde várias bandas incríveis surgiram, o fundador da Dorsal, Carlos Lopes, decide montar uma banda de rock no início dos anos 80. *"Nessa época não passava quase nada de rock na TV, mas um programa nos serviu como fonte de inspiração, durante a segunda metade da década de 70: o Sábado Som, que posteriormente virou o Rock Concert da Globo, pelo fato de nos mostrar, pela primeira vez, o que era o rock pesado, o que era o punk. E aquele programa se tornou a primeira 'religião'... Juntamente com o programa, consumíamos avidamente os fascículos das revistas Rock - História e a Glória, e pop...".

O programa Rock Concert foi exibido entre 77 e 78, na época de expansão do movimento punk no mundo, trazendo aos jovens brasileiros informações sobre essa vertente do rock que quebrou paradigmas. Ao contrário do virtuosismo do rock n’ roll setentista, no punk, a atitude era mais importante do que a técnica musical. O lema era “faça você mesmo”.
Montar uma banda nessa época não era uma tarefa nada fácil. O Brasil passava por uma época de abertura política, onde qualquer influência de música estrangeira era questionada pelos membros da esquerda, ou seja, tocar rock n' roll era politicamente incorreto. *"No final dos 70 eu queria porque queria assistir um show de rock. Mas, adolescente, morria de medo daqueles cabeludos de barba, bigode e chinelos e todo o estigma que os rockeiros traziam de marginalidade" (Carlos).
Segundo Tom Leão, até para arrumar namorada era difícil.
Segundo Tom Leão, até para arrumar namorada era difícil.
Nesse contexto, em 81, Carlos monta uma banda de rock para tocar no sarau de fim de ano do colégio. *"Para mim, o rock era a real confrontação contra o status-quo da música de protesto mineira, contra a alegria baiana e contra toda a hipocrisia do mundo".
Juntamente com o irmão Cláudio, baixista da banda que foi batizada de Ness, começou tocando músicas do Queen e da jovem guarda, com instrumentos e condições precárias. *"A coisa era tão artesanal que eu mesmo confeccionei as 'tachas' usadas no casaco de couro (outro objeto raro na época) com cartolina e papel alumínio. Na medida do possível tentávamos executar sons do Black Sabbath, Ted Nugent, Kiss, Motorhead, AC/DC, Made in Brazil, Cheap Trick e outras bandas em voga. Foi um escândalo no dia do show, pois entrei com um saco de papel na cabeça, e, quando o saco foi retirado, surgiu esse mesmo escriba com a cara pintada como o Kiss!".
Na década de 80 o Circo Voador virou o ponto de encontro das cenas punk e metal do Rio de Janeiro. Naquela época a galera que curtia o estilo se reunia semanalmente, gerando o "Clube Metálico", nome criado por seus membros. Um deles era Fernando Folena, grande incentivador da banda e colaborou com o primeiro programa carioca de metal na Rádio Fluminense. Fernando inclusive foi colaborador e companheiro de locução da Dorsal no programa que tiveram também na rádio, chamado de Shock Waves, em 91.
Ricardo Batalha em uma matéria para o site Território da Música, diz que o Rio contava com uma cena muito boa. Além da Dorsal, haviam bandas como Mortalha, Azul Limão, Taurus, Anschluss, Kripta, Calibre 38, Explicit Hate, Necromancer, Extermínio, Metrallion, Fim do Mundo, Inquisição, Kronus, Deathrite entre outras. Ele ainda diz que as famosas “rodinhas” surgiram no Rio.


Mas, apesar disso, esse movimento ainda era apreciado por um público restrito. Segundo Daniel Oliveira, em um depoimento para o livro "Guerrilha! A História da Dorsal Atlântica", no início dos anos 80 o rock pesado era praticamente desconhecido no Brasil pelo grande público e pela mídia. Apenas um pequeno grupo de admiradores curtia o estilo, geralmente ouvindo discos de grupos europeus e americanos copiados em fitas K7.
O primeiro show já com o nome Dorsal Atlântica, tinha na sua formação Carlos Lopes, agora batizado como o personagem polêmico "Carlos Vândalo", e contava também com Marcelo (yahoo) Faria na bateria. Acabou que tentaram cancelar o show do dia seguinte que aconteceria no mesmo colégio católico, por conta de um discurso inflamado de "Carlos Vândalo", onde falava não só mal de um padre estimado que havia falecido recentemente, mas como de toda a legião de padres existentes.
Depois desse, fizeram show no Western, que depois virou sede dos shows de rock da cidade. O som deles não era bem compreendido pelo público, já que inovaram com uma mistura de metal com punk e hardcore. A cena era uma proposta alternativa ao rock setentista da década anterior. Era um público diferente que estava começando a surgir, apesar de ainda ser escasso e disperso, e estar espalhado pela cidade.

Em 83, com o novo baterista Maurício, tocaram no Circo Voador, onde várias tendências conviviam segundo Carlos, "desarmoniosamente" - *"Não existia um padrão de jogo entre nossa banda e a produção, que nos encaixava em shows de rock 'n roll. Isto acontecia porque o público 'metaleiro', como já mencionei, ainda estava se aglutinando". Segundo ele, só no Rock in Rio que as camisetas pretas usadas pelos rockeiros começaram a se popularizar. Tom Leão diz que foi desde o festival também que o termo Heavy Metal começou a se popularizar. Antes disso, usava-se o termo geral “rock n’ roll”.
Em um outro depoimento para o livro "Guerrilha! A História da Dorsal Atlântica", Tom Leão Diz que era muito comum fazer amizade naquelas épocas pré-MTV por causa de uma T-shirt, porque quem vestia uma camiseta de banda naquela época, realmente 'vestia', ou seja, curtia a banda.
Após sete shows, eles resolveram documentar o som em vinil ao invés de uma fita K7 demo, (o que era mais comum na época), para que a divulgação se fizesse com melhor qualidade. Foi lançado então Ultimatum, um disco, ou 'split-album' dividido com a Metalmorphose, banda também carioca de heavy metal. Apesar do baterista Marcelo Faria ter gravado a demo da banda, nesse primeiro disco Marcos Animal assume as baquetas.

O visual da banda na época era muito peculiar, Marcos Animal tinha como marca registrada usar uma calcinha na cabeça. Já Claudio foi convencido pelo irmão a usar uma roupa inspirada no filme Mad Max, que o próprio Carlos havia confeccionado. Carlos usava uma viseira que simulava um capacete vicking, que um fã conhecido como Marcelo Dorsal, passou a copiar. Além disso, usava uma jaqueta jeans sem os braços, com uma cruz de ponta-cabeça feita de couro e perfurada por dezenas de pregos de mais de 10 centímetros, costurada nas costas.
Naquela época não se tinha muito acesso a uma estrutura de qualidade para as bandas que estavam iniciando, como conta Carlos no livro já anteriormente citado * "Nossa experiência em termos de moldar a sonoridade ao vivo da banda nunca foi muito satisfatória, porque não tínhamos instrumentos de qualidade ou dinheiro para aulas particulares de música, ou técnica instrumental, e aprendemos muito na raça". Os estúdios eram muito precários e alguns instrumentos só podiam ser vistos muitas vezes unicamente através de fotos, se tratando de Brasil.
"A verba para gravar esse split veio da venda da minha coleção de selos e de um velho amplificador Duovox que pegava fogo toda hora". Gravar um LP no início dos anos 80 tinha um custo altíssimo.

*Depoimentos de Carlos Lopes retirados do livro: "Guerrilha! A história da Dorsal Atlântica", de Carlos Lopes.
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