Existe vida em Marte, sim...
Por Luiz Domingues.
(Imagens da exposição gentilmente cedidas por Jani Santana Morales).
Quando soube
que uma mega exposição sobre a carreira de David Bowie seria inaugurada em
Londres, achei a notícia espetacular, pois se existe um artista na história do
Rock que construiu uma carreira longa e multifacetada, extrapolando as
fronteiras do gênero e até da própria música em si, esse foi Bowie.

Cantor; intérprete;
compositor; letrista/poeta; ator /mímico; visionário avant-garde... entre os
grandes gênios do Rock, e refiro-me à um panteão inquestionável e recheado de
personalidades monstruosamente importantes, Bowie já tinha sua cadeira
permanente e imortal, desde os anos setenta, sem dúvida alguma.
Pouco tempo
depois, soube que a Exposição viria para São Paulo, em princípio para ser
realizada no MAM, o Museu de Arte Moderna, no Parque do Ibirapuera, bem perto
da minha residência, e claro que comemorei a oportunidade e já fiquei ansioso
pela confirmação.
O tempo
passou e veio a confirmação, mas só que em outro endereço, a exposição sobre
David Bowie ocorreria no Mis, o Museu da Imagem e do Som. Um museu charmoso, mas com espaço físico bem
menor. Ok, haveria de ser ótimo mesmo assim.
Veio a
confirmação no início de 2014, e no segundo dia de exposição aberta, eu fui
acompanhado de um velho amigo, José Reis, fã do camaleão e ex-roadie do
Pitbulls on Crack, uma banda em que atuei nos anos noventa ao lado do
guitarrista / cantor e compositor, Chris Skepis, outro fanático fã de Bowie, e
onde tínhamos no repertório da nossa banda, uma releitura de Cracked Actor, que
adorávamos tocar ao vivo e eu particularmente tinha o prazer de refazer a frase
original da gaita da gravação do Bowie, no baixo, em nossa versão.

Aliás,
genial a idéia do fone de ouvido obrigatório. Além de provocar a emoção sonora,
evitava a tagarelice das pessoas, comum em exposições tradicionais e
responsável por extrair grande parte do foco e do prazer.


Na prática, chegar à Lua era só um homem pisando num deserto inóspito de baixa gravidade e silêncio sepulcral, mas Bowie deu vida para esse momento, tornando-o sublime... can you hear me, Major Tom ??
E lá fomos
nós, para desbravar as outras alas...
Completamente
presos nas teias das aranhas de marte, vendo aquele material de Ziggy Stardust,
Hunky Dory; The Man Who Sold the World...
Sentindo-me dentro
de um caleidoscópio setentista muito louco, voltei forte no meu próprio tempo,
com mil lembranças pessoais se misturando à do artista. Metalinguagem total,
misturando sensações e reminiscências, as mais diversas.
Vi Ronson;
Bolder & Woodmansey na sua fúria rocker. Alienígenas andróginos e
mergulhados na glória do Glam Rock; britânicos até a medula, mas exercendo uma
arte pan-cosmopolita interplanetária total...e eu ali pensando no garotinho
rocker que eu fora nos anos setenta, sonhando em embarcar na mesma nave. E ali,
sonhando acordado eu era um deles...
Pensando no
quanto ouvi Aladdin Sane e Pin Ups entre 1973 e 1974, fiquei paralisado por uns
instantes, com aquelas peças de memorabilia à minha frente, roupas; objetos;
manuscritos; desenhos; croquis; instrumentos; vídeos, e a cada ala, músicas
correspondentes a cada fase enfocada da
carreira dele, tocando em trechos, num pout pourri delirante para emocionar, de
propósito.

Aquele piano jazzístico do Mike Garson, com aqueles acordes mega
dissonantes... o que era aquilo ???
Dou de cara
com uma sessão de fotos da capa do disco Diamond Dogs, e aquilo era uma coisa
enlouquecedora. Conhecia poucas fotos oficiais, mas a sessão revelava a
produção da capa. Bowie híbrido, meio humano / meio canino, e minha imaginação
a mil por hora lembrando-me de 1974, e o fascínio que esse disco me exercia,
incluso a capa perturbadora. No headphone martelando num looping, “Dodo, Dodo”...
Ah, a fase americana... Bowie deixando de ser britânico e andando pelas ruas da Philadelphia com ginga de negão soul men... que swing man... jovens americanos : pânico em Detroit, o camaleão chegou !! Fame fame, fame...
Em 1976, li
numa revista que Bowie era protagonista de um filme longa metragem de Sci-Fi.
Ledo engano para os rockers tupinquins que cunharam a frase : “Bowie virou
ator”...
Ele sempre
foi ator, a maioria é que não sabia ou não percebeu que seus personagens na
música eram fruto de sua experimentação teatral e cinematográfica. Não sabiam
que ele fora mímico, fez curso com Lindsay Kemp e filmou um curioso
documentário em 1969, chamado “Love You Till Tuesday”, fazendo mímica ?
Em 1977 fui
ao cinema para ver “The Man Who Fell to Earth” e saí convencido de que Bowie
era mais que um grande artista multimídia, mas não podia ser humano, exatamente
a situação de seu personagem no filme...
E as lendas
urbanas sobre o seu próximo alter-Ego ?
Quantas teorias pipocando pelo ar entre 1976 e 1978 para explicar quem
era “The Thin White Duke”...
Bowie
mergulha então na fase soturna e tecnológica de Berlim. Antecipou o Pós-Punk
quando o próprio Punk mal estava se impondo. Sonoridades sombrias, robóticas,
estranhas...
Pode parecer
contraditório para quem conhece minhas convicções na música, mas eu adoro
aqueles três discos da fase alemã, e parei um bom tempo em frente ao
sintetizador onde Brian Eno executou aquela textura toda daqueles discos, e
Warsawa explodia no meu headphone...
Passo por
uma ala com memorabilia de teatro e cinema. Como não se lembrar que interpretou
o “Homem Elefante” na Broadway, quase sem maquiagem, apenas usando de expressão
corporal e facial... qualquer ator faria isso ? Penso que não.
Chego à uma
câmara redonda, com um cinema de 360º passando trechos de show dos anos 70,
predominam imagens da fase glitter, a minha predileta das prediletas, e ... inúmeras
peças de figurino... aquela indumentária inacreditável dos seus anos de ouro
como Ziggy Stardust, que via nas fotos e no vídeo do documentário de D.A.
Pennebacker...

Ali fiquei
mais tempo do que o normal, encostei-me num canto e curti aquele massacre
emocional por todos os poros. Pessoas à minha volta choravam, e isso era
perfeitamente compreensível.
Mais alas e
um mergulho na produção mais pop dos anos 80 e 90 não eram tão emocionantes
para o meu gosto pessoal, mas muita coisa legal para ver e ouvir, não restava
dúvida.
Vídeos
experimentais louquíssimos; vídeos raros de bastidores dos anos setenta, mais
roupas, vídeos de depoimentos de personalidades e pessoas comuns falando
dele...
Serious Moonlight e Glass Spider…


Mais
arrebentado emocionalmente do que os viciados em heroína jogados de estação em
estação em Berlim, passei pelas últimas alas já determinado que precisava de uma nova dose...
Um pouco
antes do Carnaval de 2014, combinei com meu amigo Zé Reis, de voltarmos, e
desta feita acompanhados de mais amigos que curtissem Bowie como nós. Tinha de
dividir a experiência com outros amigos e assim, mandei E-Mail para os que
achei que mais tinham a ver com o grande Camaleão.
A maioria
respondeu, mas nem todos confirmaram presença, claro, mesmo sendo Carnaval e a
maioria não ter compromissos musicais por serem Rockers e não militarem no
mundo do Rei Momo, já tinham outros compromissos, viagens marcadas etc.
Alguns
confirmaram presença e entre essas pessoas, a editora / proprietária deste Blog
Limonada Hippie, a quem só conhecia virtualmente e que aproveitando a vinda
para São Paulo para ver a Expo, finalmente nos conheceríamos pessoalmente.
Acompanhado
da querida amiga Fernanda Valente, e diversos amigos que encontrei na fila,
constatei que eu não fora o único fã de Bowie que teve a ideia de visitar a
Expo numa terça de Carnaval... como assim ? O Brasil não é a terra do Carnaval
?? Não para aquelas mais de 2000 pessoas que dobravam o quarteirão na Avenida
Europa...
Não consegui
reunir os amigos na “Expedição Bowie”, título do E-mail que disparei fazendo a
convocação geral, porque quando cheguei com a amiga Fernanda, a fila já era
gigantesca e avistei vários deles em pontos diferentes da fila, portanto, não
dava para ficarmos juntos.
Fiquei mais
ou menos perto da Renata Martinelli, cantora superb; Kim Kehl & Lara Pap;
Carlinhos Machado e o mais fanático dos Bowiemaníacos que eu já conheci, Chris
Skepis, meu ex-companheiro de Pitbulls on Crack. Ali conheci seu filho, chamado
Brian Jones, ou seja, dispensa explicações a escolha do nome do garoto, e com
apenas 14 anos de idade, doido por Rock setentista, fã de Gentle Giant... Chris
fez um belo trabalho educacional com o menino...
José Reis,
nosso amigo em comum, estava perto de Chris, sua esposa Lucia, e o jovem Brian.
Vi também a
amiga e produtora Jani Santana Morales, que tanto tem trabalhado para resgatar
material de bandas por onde passei, desde 2015. E ali, também nos conhecemos
pessoalmente, visto que éramos amigos virtuais até então.
Foi uma
espera cansativa, reconheço. Quando eu e Fernanda Valente entramos,
contabilizamos mais de três horas de espera, mas valeu a pena levar os amigos e
ter contato com aquela experiência sensorial novamente...
Bowie morreu
no dia 10 de janeiro de 2016. Só soube no dia 11.
Não postei
nada nas redes sociais, mas apoiei postagens de alguns amigos lamentando a
perda.
Não havia
escrito sobre a exposição de 2014, e achei que o tempo passara e uma matéria /
resenha atrasada não valeria a pena.
Aí veio o
dia 10 de janeiro de 2016 e Bowie aparecendo em tudo quanto era reportagem de
internet e TV, e percebi que precisava repassar essa emoção aos leitores...
Bye,bye
mestre camaleão, agora você volta ao seu planeta, e lá fará um som magnífico
com Mick Ronson e Trevor Bolder que haviam partido antes. As Aranhas de Marte
vão brilhar de novo no Cosmos...
Sempre que
ouvia-o cantando “My Death”, pensava que um dia isso chegaria e chegou...
Acho que
precisava escrever e comemorar o fato de que fui à exposição, duas vezes em
2014, assim como fora em dois shows do Bowie em 1990.
No Rio de
Janeiro, ele cantou Station to Station; em São Paulo,
Life on Mars... sou um afortunado...
E quer saber?
Este planeta fica insuportável sem David Bowie.
Hey, Major
Tom, tem lugar aí no seu foguete para mais um?
---
Assim se vai mais uma estrela brilhar no céu, é importante entendermos que se essas estrelas se vão, outras certamente virão, e que as que se foram servirão de inspiração. Os rockeiros que escreveram a história do rock se vão, mas o rock não morreu e não morrerá nunca, pois a obra que fica é eterna e nossa existência na terra é só uma linha na escritura do livro da eternidade.
Que os registros dos grandes mestres que habitaram essa Terra sejam sempre divulgados para que as próximas estrelas que virão, (e certamente virão) , já que apenas está se começando um novo século e um novo milênio, possam usar as idéias dos mestres e criarem uma nova página da história do rock e da música que virá.
Favoritos da obra de Bowie na opinião do Limonada Hippie:
Golden years
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Assim se vai mais uma estrela brilhar no céu, é importante entendermos que se essas estrelas se vão, outras certamente virão, e que as que se foram servirão de inspiração. Os rockeiros que escreveram a história do rock se vão, mas o rock não morreu e não morrerá nunca, pois a obra que fica é eterna e nossa existência na terra é só uma linha na escritura do livro da eternidade.
Que os registros dos grandes mestres que habitaram essa Terra sejam sempre divulgados para que as próximas estrelas que virão, (e certamente virão) , já que apenas está se começando um novo século e um novo milênio, possam usar as idéias dos mestres e criarem uma nova página da história do rock e da música que virá.
Favoritos da obra de Bowie na opinião do Limonada Hippie:
Golden years
Heroes
Life on Mars?
Absolute Beginners
Changes
Thursdays Child
Cactus
Everyone Says Hi
Slow Burn
Afraid
Sound and vision
Muita emoção senti ao ler seu texto, Luiz. Visitar a expô do Bowie teve um grande significado para mim.
ResponderExcluirSentir toda a mágica, a genialidade dele foi uma experiência transcendental.
Também fui duas vezes, uma só não foi suficiente.
Você me passou toda a emoção que foi visitar esse expô e da obra do gênio Bowie.
Mas que maravilha saber que o texto lhe provocou tal emoção. Acho que pelo fato da resenha sair defasada e só agora ter sido publicada em forma de depoimento / homenagem, só podia fazer sentido nessa linha. Portanto, fico feliz em saber que o objetivo foi cumprido.
ExcluirSobre Bowie, não há muito o que acrescentar depois do que você disse : "gênio"...
Grato por ler, comentar e emprestar suas fotos para a Fernanda fazer a diagramação e lay-out final !!
Excelente homenagem ao Bowie e excelente texto!
ResponderExcluirAo lê-lo parece que estava novamente na exposição.
Grande trabalho!
Abraços,
Zé Reis.
Mas que legal que leu e gostou !
ExcluirEstou muito feliz por saber que o texto lhe provocou a sensação de reviver a exposição, muito legal saber disso.
Obrigado por ler, comentar e elogiar !!
Abração, Zé Reis !!