Relaxem, Rockers, o Rock In Rio não é um Festival de Rock

Por Luiz Domingues.

Muito comentou-se sobre o Festival Rock in Rio antes, durante e após a sua realização, recentemente, por ocasião de sua edição de 2017. Principalmente nas Redes Sociais da Internet, o bombardeio foi intenso e tirante uma ou outra voz lúcida, a imensa maioria destilou veneno; desdém; escárnio; portou-se como “torcedor uniformizado” de artistas para atacar “torcedores” de outros artistas e protagonizou uma quantidade gigantesca de comentários pautados pela suprema ignorância, sob todos os aspectos imagináveis.

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Isso não é nenhuma novidade, pois trata-se de uma tradição que iniciou-se desde a primeira edição do Festival, no hoje longínquo ano de 1985. Já naquela ocasião, a polêmica instaurou-se sob vários níveis, mas sobretudo a respeito da questão do critério de escolha do dito “line up” do mesmo, ou seja, falando no bom português, o seu elenco de artistas escalados.

Numa primeira análise, por autodenominar-se um festival de Rock, causou estupefação a ausência de muitos artistas genuinamente Rockers, em detrimento de atrações nada familiares a esse universo, gerando muita controvérsia. Lembro-me bem, uma artista histórica como Rita Lee, foi convidada às vésperas, quase como uma resposta ao clamor popular, visto que não constava da primeira lista anunciada. OK, não era mais o auge criativo dela e há anos vivia mais uma carreira Pop do que verdadeiramente Rock, mas teria sido inacreditável ela não ter participado de um festival de tamanha magnitude e ouso dizer, sem demérito a festivais históricos e assumidamente Rockers do passado (Festival Hollywood Rock 1975; Festival de Iacanga 1975; Festival de Saquarema 1976 etc), o Rock in Rio de 1985, pautou-se por ser o primeiro com um grau de profissionalismo com padrão internacional e daí a importância que ganhou no imaginário generalizado.
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Só que havia um detalhe nesse raciocínio e que poucos perceberam de imediato : tratava-se de um empreendimento particular e realizado por um escritório empresarial com pouca ou nenhuma noção sobre o Rock, sua história e seus múltiplos desdobramentos. 

Portanto, valendo-se de opiniões vindas de uma assessoria talvez não exatamente com essa matéria na ponta da língua, realizou sua escalação buscando o que julgou ser mais viável sob os parâmetros comerciais e levando em conta o raio-x daquele momento em termos de “Hit Parade”. Daí, privilegiou-se o Rock brasileiro em voga, representado por alguns nomes na crista da onda no mainstream e oriundos do denominado “BR-Rock oitentista; uma noite “pesada” a agradar os “Headbangers”, ou “metaleiros” como a mídia pejorativamente estigmatizou aquela garotada adepta das correntes de Heavy Metal (outro fenômeno oitentista), e o enxerto com artistas da música Pop internacional; astros da MPB e alguns “dinossauros”, casos do Queen e do Yes, que estavam mais para o mundo Pop naquela época, do que centrados em seus respectivos trabalhos mais proeminentes da década de setenta. Sem esquecer igualmente, que bom que tiveram a honradez de convidar também Erasmo Carlos e Ney Matogrosso e o Raul Seixas só não foi porque sua saúde já estava debilitada nessa ocasião.

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Se comparada às edições posteriores, essa edição inicial pode ser considerada a “mais Rock” de fato, pois muitos anos depois, a avacalhação nas escolhas foi ainda mais gritante. Tornando-se um festival quase infantilizado, um verdadeiro parque de diversões a la Disney World. Eu não tenho dúvida que na concepção de seus organizadores essa máxima do entretenimento de massa e ultra pasteurizado é um lema e contra números não há argumentos, pois de nada adianta contestar a presença de artistas popularescos que fazem sucesso no carnaval, onde é o seu habitat costumeiro, quando estes fazem shows para centenas de milhares de pessoas que “saem do chão” ao seu comando, caracterizando sucesso absoluto. 

Isso sem contar atrações internacionais de gosto muito duvidoso. Não nesta edição de 2017, mas na anterior, eu recordo-me que escalaram uma cantora pop “Teen”, dessas que não fazemos a menor ideia de quem se trata, mas tem milhões de seguidores no mundo inteiro e sua filha de dez anos de idade provavelmente adora. Pois essa cantora, que nem vou citar o nome, pois não quero caracterizar que tenho bronca dela, porque realmente é claro que não tenho (o artista em si não tem culpa de nada. Ele está na dele, fazendo sua arte e se ela é ruim ou não, sua legitimidade em existir é incontestável como livre expressão da arte, eu acredito nisso). Mas o caso é que tendo uma boa experiência na militância musical, gostando ou não da estética e da expressão de qualquer artista, eu consigo discernir se sua arte tem ou não relevância, com capacidade em estabelecer empatia, deixar uma mensagem ou indo além, bem além mesmo, ser passível de legar algo à humanidade, mesmo que seja uma parcela modesta de contribuição. Mas no caso dessa mocinha estrangeira com um nome exótico, eu ouvi seu trabalho e alguns clips e infelizmente sua obra e expressividade artística era praticamente nula. Dona de um único “hit” que a alçou para a condição de “Super Star”, foi escalada para o festival tendo apenas uma música conhecida e mesmo assim, não passando de uma canção insípida, nada além de um refrão razoável e passível de ser cantarolado por seus fãs, mas nada além disso. Escalar uma artista assim irrelevante, em detrimento de artistas com história e dos quais não há nem cogitação de participação nas reuniões de “brainstorm” desses produtores em questão, é que verdadeiramente irrita os Rockers, isso eu compreendo.

Chegamos à edição de 2017 e mais uma vez, as reclamações surgiram. É inacreditável que bandas históricas do Rock brasileiro não sejam nem cogitadas, nem que fosse para tocar num palco secundário. Se Rita Lee participou em 1985 quase a fórceps, e considerando que desde 1979 mantinha uma carreira pop com apoio radiofônico e emplacando vários temas de novelas da Rede Globo, o que dizer do Made in Brazil; Patrulha do Espaço; O Terço e outras tantas bandas com tamanha bagagem, que são ignoradas desde sempre ?
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Outro ponto, por ser mais um festival pop ou mesmo popularesco, do que realmente um festival de Rock, algumas distorções são abomináveis. Algumas bandas de Rock convidadas não justificam as suas presenças, mesmo sendo bandas de Rock em tese, sua importância praticamente nula na história, sendo mero “hype” de ocasião ou até alguns que vem repetidamente e cuja superestimação no imaginário da formação de opinião chega a ser irritante, caso de uma em específico cujo cantor que mesmo no seu auge, trinta anos atrás, já era horrível e agora sem voz alguma chega a ser constrangedor, realmente...

Diante de tudo isso, devemos entender que o Festival Rock in Rio não é, nem nunca foi um festival verdadeiramente de Rock, embora tenha tido seus lampejos nesse sentido e até produzido alguns bons momentos, reconheço. Na verdade é um festival Pop, com forte mentalidade calcada no entretenimento de massa, baseado em seus anseios e signos inerentes. É um parque de diversões ao estilo Disney, concebido a estimular consumo e nada mais. Esperam de seus frequentadores, a mesma reação das crianças nos parques da Disney, ou seja, ao invés de comprar os souvenirs do Mickey Mouse e da Branca de Neve, querem que você faça caras e bocas com o indefectível sinal do “mallochio” e coma pipoca, talvez substituindo o refrigerante pela cerveja, mas o resto é tudo igual.

Eventualmente vai ter um artista de Rock relevante e com bagagem histórica, comemoremos a vinda do The Who, tardia e representada apenas pela dupla sobrevivente e hoje na terceira idade, mas está tudo bem, Tommy e Quadrophenia soaram ao vivo, enfim, na terra tupiniquim... e entre artistas novos, um ou outro mostra serviço e nada mais.
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Alice Cooper fez seu show teatralizado sensacional e ainda trouxe Arthur Brown, algo inacreditável. Poucas pessoas sabiam quem era aquele velhinho maluco com uma coroa incandescente na cabeça, mas quem conhece a história, sabe da sua importância nos anais do Rock. Fire !!

E teve o Aerosmith com dignidade, apesar da idade estar chegando e pesando para Tyler; Perry e Cia.
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Se não criarmos mais expectativas errôneas a respeito de tal festival, e aproveitarmos as pequenas doses Rockers que ofertam-nos, creio que não estressaremos mais, desnecessariamente.  

Comentários

  1. Festival de Saquarema, eu estive lá! meus dois irmão que foram comigo estão no céu...inesquecível, não me esqueço a cena de todos presentes na praia batendo palmas para o por do Sol, merecidamente um espetáculo, brilhante seu texto, concordo com tudo que lí, com uma cantora de Axé abrindo um espetáculo dito de Rock não se pode esperar muita coisa, salvo esse ano pelo magnifico show do The Who, uma fantástica jornada Rock Opera musical.

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  2. Fantástico, Kim Lima !

    São poucos hoje em dia que lembram-se da importância do Festival de Saquarema, em 1976. Eis aí um exemplo do que foi realmente um festival de Rock e com o astral contracultural em plena conexão com todos os presentes, vide o que contou-me sobre essa salva de palmas coletiva pelo por do sol. Essa comunhão de ideias, foi varrida do planeta, o Rock diluiu-se, perdeu o sentido e o elo com tal comprometimento contracultural. Só lastimo essa perda, você sabe bem, pois acompanha meus textos de uma forma geral e sabe do que falo. Você é um privilegiado por ter essa experiência guardada na sua memória e bagagem pessoal.

    Sobre o que expressei nessa matéria, perfeita a sua conclusão. Não tem nenhum cabimento escalar artistas como Ivete Sangalo e congêneres, mas isso se fosse um festival de Rock, mas o "RiR", não o é, certamente.

    Sobram as migalhas e apesar de tudo, a dupla de idosos sobrevivente do The Who, honrou suas tradições com um show impecável, claro, em se considerando todas as circunstâncias em que apresentam-se na atualidade. Melhor teria sido assisti-los ao vivo em Leeds, no ano de 1970, por exemplo, com o time completo, tendo The Ox e Moon, the Loon em seus postos, mas melhor conformarmo-nos com a realidade. Listening to you, I get the Music !!

    Grande abraço, amigo !!

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    1. Obrigado amigo,bons tempos de Rock n roll, me lembro que resolvemos ir de última hora, eu, meus dois irmãos e duas amigas, coisa de adolescentes rs... sempre carrego comigo as imagens que ví, nunca vou esquecer, na volta da viagem, o encontro com a turma na matinê de Rock no clube...bons tempos... :)

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    2. Olha, Kim : eu no seu lugar pensaria com carinho na hipótese de reunir suas memórias, dada a sua boa lembrança e acervo pessoal de boas histórias para contar. Um Blog; Vlog, canal do You Tube, um site desses grátis que se monta sozinho, enfim, não importa a plataforma, mas tais histórias não podem ficar somente consigo, porque são ricas e inspiradoras.

      Sim, o melhor dos tempos e falo isso sem sentido nostálgico meramente idiossincrático, mas baseado numa constatação embasada pelos fatos históricos.

      Grande abraço !!

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    3. Obrigado amigo, sim, vou pensar com dedicação no que disse e vc vai ser o primeiro a saber rs...abraços! :)

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  3. Muito bem colocado Luiz, o Rock in Rio é um parque de diversões de massa preparado para estimular o consumo, existem dezenas de lojas com produtos a venda e preços exorbitantes, também existem 8 palcos onde se apresentam desde bandas covers convidadas por Heineken ou Itaú até 2 palcos inusitados, um onde tem música eletrônica durante todo o dia e outro onde se apresentam músicas de outras culturas como a africana.

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  4. Exato, amigo José André !!

    Trata-se de um investimento calcado em alto consumo, e assim tratam a música, como mero produto. Pelo menos se tivessem a hombridade de suprimir a palavra "Rock", ficaria mais realista com a mentalidade que eles tem do show business, mas devem raciocinar que nesta altura, o nome está consolidado e mudar seria um verdadeiro tiro no pé para o empreendimento. Para amenizar então, o certo deveria instituir uma curadoria bem embasada, mas isso se houvesse alguma preocupação, mínima que fosse, da parte desses empresários com o teor cultural do evento, mas claro que isso não existe.

    Portanto, a melhor coisa é mesmo absorver a ideia que a real presença de Rock ali, quando tem, é uma mera migalha e que não vão abrir mão em escalar artistas completamente dispares do que consideremos "Rock".

    Sobre o que comentou, concordo com tudo. Os palcos "lounge" com bandas cover até podem ser compreendidos na medida em que levarmos em conta que ao menos estão gerando emprego para bons músicos, mas ao mesmo tempo, foge inteiramente do espírito de um festival sério. E o restante é isso aí, uma enorme praça de alimentação de shopping, com tudo de abominável que esse tipo de consumo de massa possa representar...

    Muito grato pela atenção e postagem de rico comentário !!

    Grande abraço !!

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