Quando foi a última vez que você foi na rua e não comprou nada?



Um dia desses resolvi andar pela rua com o propósito de apenas andar por andar, e não comprar nada. 

Parece uma bobagem, mas já percebeu que quase nunca saímos sem comprar absolutamente nada? Mesmo que a gente não vá no cinema, ou no teatro, ou em um show que tenhamos que obrigatoriamente pagar algo, acabamos comprando alguma coisa em uma loja, indo no mercado, restaurante, ou pelo menos tomamos um sorvete ou um suco.

Esse dia que citei coloquei em mente que iria sair de casa para ir no parque e não iria comprar absolutamente nada, nem uma garrafa de água. No início me pareceu algo sem graça, sem propósito, mas encarei o desafio mesmo assim.

Chegando no parque, o que iria fazer? Também coloquei a meta de não ficar grudada no celular, e sim, curtir o lugar. Escolhi um banco para sentar e tentar ler um livro, e percebi um odor desagradável, provavelmente de algum morador de rua que por falta de opção dormiu anteriormente naquele lugar. Tentei ignorar o cheiro, mas cada vez se fazia mais presente, e me desconcentrou da leitura. Percebi grande movimentação a minha volta de crianças brincando e alguns vendedores de barracas variadas conversando alto. Após isso, começou a tocar uma música. Definitivamente não é tão fácil ler em um parque como parece.

Levantei dali e pensei em sentar em um lugar afastado, mas e a violência? Em grandes cidades, lugar tranquilo geralmente é atrativo para assalto.

Resultado de imagem para apreciar a paisagemResolvi sentar em um lugar ali perto, mas ao invés de ler, ouvir uma música. Apenas ouvir e prestar atenção no que acontecia a minha volta. Havia uma mulher sentada ao meu lado mexendo o celular. Parecia estar esperando alguém chegar.

Outras pessoas passavam e percebiam que eu estava olhando para o que acontecia, e os olhares demonstravam algo como: “Por que essa menina está ali sem fazer nada?” Não percebi esse tipo de estranhamento em relação a outra menina que mexia no celular, pois na visão deles ela estava fazendo algo.

Pensei que observar o lugar e as pessoas nos dias de hoje não é considerado estar fazendo algo, e sim estar desocupado, perdendo tempo, ou até passar a impressão de ser alguém solitária, digna de pena. Percebi também que as pessoas que passavam estavam acompanhadas por suas famílias ou cachorro, ou passavam a impressão de estar indo encontrar alguém interessante, ou pelo menos estar em uma conversa super legal no celular.

Apesar do estranhamento alheio, resolvi manter meu propósito e continuei a observar. Observar a natureza, as pessoas, lembrar de fatos que aconteceram naquele lugar. Alguns homens se aproximaram para recolher o lixo das lixeiras ao meu redor e me encaravam, talvez pensando que estava a procura de alguém do sexo oposto. Desviei o olhar e continuei contemplando a vista ao meu redor e ouvindo música.

Depois, me sentei perto dos brinquedos, onde as mães acompanhavam as crianças. Percebi também um grupo de moças que conversavam a minha frente. Começou a tocar uma música perto dali, e uma delas disse: “Ih começou uma música ali, vamos, vamos!” Uma delas pareceu não tão interessada, mas com a insistência da outra mulher, acabou indo, talvez para não ficar só.

Nesse momento pensei como é bom ter alguns momentos para ficar só, e poder escolher o que se quer fazer, sem se sentir obrigada a fazer coisas que não se gosta para estar enturmada. Um pouco depois, sentou uma mãe perto de mim, parecia cansada de correr atrás da filha, e percebi que comentou algo comigo. Tirei o fone e ela disse: “as crianças somem num piscar de olhos!” Eu disse: “sim, temos que ficar de olho” e logo depois ela foi procurar a menina.

Senti que meu passeio havia terminado, e quantas coisas acontecem quando apenas se está em um lugar, receptivo para o que irá acontecer, talvez fazer um novo amigo, quem sabe!
                                     
Entendi na volta pra casa que quando se vai em um lugar e não se compra nada, as pessoas se tornam mais importantes e valiosas, e o único propósito de se estar lá. Me lembra os tempos inocentes da infância e adolescência, onde o propósito era estar com os amigos, por estar. Quero repetir essa experiência um dia!
Resultado de imagem para ir a rua apreciar a vida

Comentários

  1. Ótima crônica.

    De fato, a sociedade de consumo empurra-nos a acreditar que não seremos felizes se não comprarmos alguma coisa. O simples ato de viver; prestar atenção nas pessoas; na natureza e na sua movimentação inerente, é tratado como algo fora de propósito, pois toda a expectativa fica em torno do sentido comercial pelo qual regula-se o mundo.

    Eis aí uma sociedade doente; sem perspectivas e que infelizmente, é conduzida pelos seus mandatários a perpetuar-se. Cabe aos despertos, que denunciem esse status quo e nesse caso, a cada dia convenço-me mais que os hippies sessentistas, tão vilipendiados pelo escárnio da sociedade conservadora, tinham muita razão e foram na realidade, visionários.

    Sigamos na luta, e isso significa, entre outras ações, empreender o passeio na praça pública, sem ônus...

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    Respostas
    1. Sim amigo! Cabe a nós sermos a resistência hippie nesse mundo dominado pelo consumo!
      Obrigada pelo comentário!

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